Clima em mudança ameaça aquíferos e amplia risco de crise hídrica no Brasil

Estudo da USP e do Inpe alerta para queda drástica na recarga de reservatórios subterrâneos, que abastecem mais da metade da população, sobretudo no Sudeste e Sul.
Afloramento do aquífero Guarani, na gruta Itambé, em Altinópolis (SP) . (Foto: Jonathan Wilkins/Wilkmedia Commons)

Um estudo do Instituto de Geociências da USP (IGc-USP) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) aponta que a crise climática deve comprometer de forma significativa a recarga natural dos aquíferos brasileiros, reduzindo a disponibilidade de água subterrânea em praticamente todo o território nacional. As regiões Sudeste e Sul aparecem como as mais vulneráveis.

A pesquisa, publicada no periódico Environmental Monitoring and Assessment, analisou cenários de mudanças de temperatura e precipitação até o fim do século. Os resultados mostram aumento de até 3,6 °C e maior irregularidade nas chuvas.

Em locais como o Sudeste, a quantidade de água da chuva pode até se manter estável, mas a concentração em períodos curtos, com tempestades intensas, tende a favorecer o escoamento superficial em vez da infiltração no solo.

Esse processo dificulta a renovação dos reservatórios subterrâneos, essenciais para o abastecimento humano, a agricultura e os ecossistemas.

No Brasil, cerca de 112 milhões de pessoas — mais da metade da população — dependem total ou parcialmente das águas subterrâneas. O estudo mostra que a recarga pode cair até 27,9% em aquíferos importantes, como o Bauru-Caiuá, no Centro-Oeste, além de perdas significativas em sistemas como o Guarani, Furnas e Serra Geral.

Apesar desse cenário, especialistas alertam que o tema ainda é pouco discutido nas políticas públicas. “A água subterrânea continua esquecida na pauta climática. Fala-se de rios e florestas, mas raramente de aquíferos, mesmo sendo fundamentais para o abastecimento”, afirma Ricardo Hirata, professor titular do IGc-USP e primeiro autor do estudo.

A importância desse recurso ficou evidente na crise hídrica de 2014-2016, quando cidades abastecidas por aquíferos sofreram menos do que aquelas que dependiam apenas de mananciais superficiais. Estima-se que o Brasil possua cerca de 5 milhões de poços, que juntos extraem entre 550 e 600 metros cúbicos de água por segundo, com grande peso no uso privado, especialmente na agricultura.

Como alternativa, os pesquisadores defendem a adoção da recarga manejada de aquíferos (MAR, na sigla em inglês), já utilizada em países como a Espanha. A técnica favorece a infiltração planejada de água da chuva ou de esgoto tratado, podendo inclusive injetar diretamente o recurso nos reservatórios subterrâneos. Essa estratégia amplia a segurança hídrica e garante o aproveitamento da capacidade natural de purificação do solo.

Os autores destacam que incluir os aquíferos na agenda climática é fundamental para garantir a sustentabilidade dos recursos hídricos no país.


(Da Redação do Fato Regional, com informações da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp).

 

Siga o Fato Regional no Facebook, no Instagram e no nosso canal no WhatsApp!

 

Leia mais