Um estudo realizado por pesquisadores no Pará e um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado (Alepa) apontam que a retirada de agricultores do acampamento Dalcídio Jurandir, na fazenda Maria Bonita, em Eldorado dos Carajás, sul do Pará, deve trazer prejuízos a 212 famílias e à produção agrícola da região. Caso a saída voluntária de cerca de duas mil pessoas não ocorra até esta terça, 17, a Segup poderá cumprir o mandado judicial de reintegração usando da ação policial.
Raimundo Azevedo, da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Pará, disse que as famílias não têm para onde ir e que não pretendem sair do local. “Somos famílias que saímos da linha de miséria, onde não tínhamos expectativa de futuro e agora, estamos em uma área de grilagem, onde estamos produzindo alimentos e nossos filhos estão estudando”, afirmou.
Os trabalhadores dizem que temem a retirada à força. No dia 17 de abril de 1996, 19 trabalhadores sem-terra foram mortos no município, após confronto com policiais militares, episódio que ficou conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás, de repercussão internacional.
O professor Amintas Lopes Silva Jr., da faculdade de Educação do Campo na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), integra um grupo de pesquisadores que elaborou um estudo apresentando dados de produção e um diagnóstico social e econômico sobre o acampamento. Para ele, o “impacto da reintegração é muito grande” para o município e para a região.
“Com os dados, concluímos que a decisão só interessa a empresa que se diz proprietária da terra, pois o acampamento é responsável por uma significativa produção agrícola, comercializada na cidade e em outros municípios, além das diversas famílias que serão desalojadas”, explicou o pesquisador.
De acordo com o estudo “Diagnóstico das condições produtivas, sociais e de infraestrutura do Acampamento Dalcídio Jurandir”, os impactos também atingem o setor de serviços públicos, como assistência social, emprego, habitação, entre outros. O levantamento mostra que o despejo pode acarretar crescimento de mais de 22% do déficit habitacional urbano do município, além de uma queda em mais de 10% na produção de leite de Eldorado dos Carajás e um crescimento de até 30% na taxa de desemprego.
O professor Amintas Jr. explicou que uma audiência realizada na cidade teve grande apoio da população do município pela permanência das famílias no acampamento. “As pessoas sabem que eles estão produzindo e sendo importantes para o município, a infraestrutura produtiva deles é muito boa, existem áreas de plantio, tanques de piscicultura, etc”.
A fazenda Maria Bonita foi ocupada no dia 25 de julho de 2008 por trabalhadores rurais que produzem mandioca, farinha, leite, frutas, legumes, hortaliças, entre outros. Uma escola foi construída no local para 175 crianças.
O MST informou que tem apoio da prefeitura e de vereadores de Eldorado dos Carajás, que temem o crescimento do desemprego na cidade caso as famílias sejam despejadas. O G1 tentou falar com a prefeitura, mas não obteve resposta.
Escola construída no acampamento Dalcídio Jurandir, no PA, atende 175 crianças. — Foto: Reprodução / MST
Comissão aponta irregularidades na titulação de terras
Um relatório, divulgado pela Comissão de Direitos Humanos da Alepa, aponta irregularidades na titulação das terras da fazenda Maria Bonita. A área é alvo de disputa jurídica pela empresa Agropecuária Santa Bárbara, que pertence ao banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity. A empresa não se manifestou sobre o caso.
O deputado Carlos Bordalo argumentou que justiça agrária e outros órgãos deveriam apresentar plano social para abrigar as famílias. “É uma área produtiva, portanto, destruir o que eles construíram há anos será um prejuízo irreversível, se houver a remoção dessas famílias”, disse.
Segundo Bordalo, houve crime de privatização das terras públicas do Estado na processo da fazenda Maria Bonita. “Vamos pedir o cancelamento do título e a suspensão da liminar da reintegração de posse”, afirmou.
Reintegração
Reunião discute destino de famílias acampadas em fazenda em Eldorado dos Carajás, no PA. — Foto: Reprodução
Após reunião com representantes do MST, a Segup informou em nota que a segurança pública não tem jurisdição para atuar no caso, que deve ser tratado junto ao judiciário, e que somente deve executar o cumprimento da decisão.
De acordo com a Segup, ainda, que após passado o prazo da desocupação voluntária, caso a sentença tenha permanecido, será montado um novo plano operacional para a reintegração de posse considerando o número de pessoas que estiverem na área.
De acordo com o MST, na audiência realizada na quinta (12), o titular da Segup, Ualame Machado, informou que as tropas responsáveis pelo despejo já estão se deslocando para o sul do estado.
Entenda o caso
A ocupação da fazenda Maria Bonita pelos trabalhadores rurais iniciou quando o banqueiro Daniel Dantas, dono da propriedade, foi alvo da operação Satiagraha da Polícia Federal, em 2008. Dantas chegou a ser preso duas vezes na mesma semana, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. Em ambas ocasiões, uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, libertou o banqueiro.
Em 2014, em Marabá, no sudeste do estado, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o MST e o grupo agropecuário Santa Bárbara assinaram no dia 24 de fevereiro um acordo para melhorias em assentamentos e reforma agrária nas fazendas ocupadas na região.
O então presidente do Incra, Carlos Guedes, firmou uma parceria com as prefeituras da região para aplicar recursos em infraestrutura nos assentamentos. Ao todo foram liberados mais de R$ 30 milhões para a construção de pontes e melhorias nas estradas vicinais.
Segundo as famílias que vivem no acampamento Dalcídio Jurandir, a produção de alimentos saudáveis no local abastece os municípios na região.
Irregularidades na fazenda desde 2008
A Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, do grupo Opportunity, comprou, em 2005, do empresário Benedito Mutran Filho, três fazendas no Pará para criação de gado – a Espírito Santo, a Maria Bonita e a Cedro – que têm, de acordo com o vendedor da terra, cerca de 28 mil hectares.
De acordo com o Iterpa, parte das terras adquiridas pelo grupo de Dantas no Pará era “aforada”, ou seja, pertencia ao estado, mas foi concedida sob pagamento de uma quantia anual. Quem estava de posse das terras pode tentar o “resgate do aforamento”, ou seja, adquirir a posse definitiva do terreno. Antes disso, a venda do imóvel era proibida.
Fonte: G1 Pará