terça-feira, 23 de abril de 2024

FALE COM FATO REGIONAL

Envie Notícias, Fotos e Sugestões

FALE COM FATO REGIONAL

Envie Notícias, Fotos e Sugestões

Bebês sequestrados pela ditadura: maioria dos casos foi no Pará

jornalista Eduardo Reina, lança o livro "Cativeiro sem fim", um relato emocionante de filhos de opositores do regime ditatorial que se instalou no Brasil entre 1964 e 1985.
Juracir Costa, sequestrado por engano. Achavam que ele era filho do líder da Guerrilha do Araguaia (Divulgação)

Foram mais de 20 mil quilômetros percorridos e cerca de 200 entrevistas realizadas para chegar aos 19 personagens de “Cativeiro sem fim”, livro que o jornalista Eduardo Reina acaba de lançar no Brasil e conta a história de bebês, crianças e adolescentes sequestrados durante a ditadura militar no país e entregues ilegalmente para adoção. A maioria filhos e filhas de guerrilheiros da Guerrilha do Araguaia, no Pará. A Conexão AMZ bateu um papo com o escritor, que falou também sobre a necessidade de desnudar faces ainda escondidas desse periodo na história do país.

O autor Eduardo Reina quer jogar luz sobre mais um capítulo obscuro da ditadura militar no Brasil

 

Conexão AMZ: Como surgiu a ideia de contar essas histórias agora, mais de 30 anos após o fim da Ditadura Militar no Brasil?
Eduardo Reina: O projeto é antigo, tem cerca de 20 anos. Mas somente em 2015 resolvi apostar tudo nele e ir à campo. Em abril de 2016 lancei o livro “Depois da rua Tutoia”, um romance que conta a história de uma bebê, filha de militante de esquerda, que foi sequestrada pelos militares e entregue a um empresário que financiava as ações da repressão da ditadura em São Paulo. O objetivo era lançar luz sobre esse tema, tão evidenciado e debatido em outros países da América Latina, mas escondido no Brasil. Deu certo. A partir de então comecei a ser procurado por algumas vítimas desse crime e passei a ter em mãos provas da existência do sequestro de bebês, crianças e adolescentes, filhos de militantes políticos, pelos militares durante a ditadura no Brasil.

Conexão AMZ: E como foi feita essa investigação?
ER: Foram duas frentes de pesquisa. Uma teórica, que teve como foco a obtenção de dados e informações sobre as ações dos militares durante o período da ditadura (1964-1985). Nos livros eu busquei qualquer tipo de informação relacionada ao sequestro ou aos personagens envolvidos. A identificação desses personagens é a segunda parte da pesquisa, feita em campo, através de entrevistas, obtenção de documentos e outras provas. Percorri mais de 20 mil quilômetros pelo Brasil, entrevistei cerca de 200 pessoas, envolvidas diretamente com os casos – as próprias vítimas, seus familiares, militares, religiosos, pessoas da área jurídica, pessoas próximas às vítimas e familiares – fui a cartórios de registro civil e de imóveis para obter certidões, igrejas, instituições religiosas.

 

Conexão AMZ: E como você chegou, finalmente, aos personagens?
ER: Alguns personagens me procuraram, outros fui atrás, principalmente aqueles relacionados à Guerrilha do Araguaia. Dos 19 casos reais relatados no livro, 11 são da região do Araguaia, filhos de guerrilheiros, filhos de camponeses que cooperaram com os guerrilheiros e até alguns que foram sequestrados por engano pelos militares, que pensavam que estes seriam filhos de guerrilheiros.

Conexão AMZ: O que mais choca nas histórias dessas pessoas?
ER: Todos os caso são chocantes. Desde aqueles que foram envolvidos por engano e acabaram sequestrados no lugar dos verdadeiros filhos de guerrilheiros no Araguaia, até o caso dos índios xavantes, levados do Mato Grosso em 1966. Passando pela apropriação de uma bebê por uma família de militares, no Rio de Janeiro, que foi maltratada quando criança e só descobriu a situação em que estava envolvida em 2013, após uma briga de família.

Conexão AMZ: O seu livro chega em um momento em que parte dos brasileiros questiona se houve uma ditadura e surgem grupos defendendo o regime militar, inclusive a tortura. O livro pode ajudar a desconstruir isso?
ER: O livro identifica, resgata e comprova a existência de um crime hediondo, o sequestro de bebês e crianças filhos de militantes políticos. Desnuda uma face da ditadura civil-militar brasileira que estava escondida. Costumo dizer que esse crime de sequestro é o segredo dentro do segredo da ditadura civil-militar brasileira. Mostra com provas e personagens reais que a ditadura foi muito cruel. Uma ditadura violenta que matou, torturou, desapareceu com oposicionistas ao regime de exceção. E mais, sequestrou filhos desses oposicionistas. Um crime que transformou as vítimas num botim de guerra.


Conexão AMZ: Essa é a contribuição que ele deixa para a história recente do País? Jogar luz sobre mais esse capítulo da história ainda obscura da ditadura?
ER: Acredito que o livro servirá de base para novas pesquisas sobre este tema. É preciso contar a história da ditadura do Brasil não somente pelo prisma dos militares, mas também pela visão dos oprimidos, daqueles que estavam escondidos dentro da história não contada, não revelada. Os 19 casos relatados no livro podem ser apenas a ponta de um iceberg com mais casos de sequestro. Desde que começamos a divulgar o livro até agora já fui procurado por outras 20 pessoas que relatam ter sido sequestradas quando crianças. Não consigo dizer que são mais 20 casos. Pois é necessário investigar, apurar os fatos, levantar documentos e provas. Mas evidencia a existência de novos casos.

 

 

 

Fonte: Conexão AMZ