Documentos a que a CNN Brasil teve acesso sobre o interrogatório do ministro da Justiça, Anderson Torres, dentro do inquérito administrativo aberto pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para apurar a live na qual o presidente Jair Bolsonaro atacou as urnas eletrônica, mostram contradição na fala do ministro nas redes sociais. Veja aqui a íntegra do depoimento.
O documento tem 19 páginas e é dividido em duas partes. Na primeira, o ministro da Justiça é inquirido pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Luís Felipe Salomão. Na época do depoimento, 12 de agosto de 2021, ele era ministro-corregedor do Tribunal Superior Eleitoral. Na segunda parte, quem faz os questionamentos é o procurador-geral eleitoral Paulo Gonet. Por três vezes o ministro diz não haver provas de fraudes eleitorais.
Na primeira, ele é questionado por Salomão se houve alguma reunião antes da live. Torres diz que na semana anterior o ministério foi informado de que haveria uma reunião no Palácio do Planalto sobre possíveis fraudes em eleições e que em razão disso encaminhou para a reunião dois peritos em crimes cibernéticos da Polícia Federal. E que a “notícia” que ele teve foi de que os peritos disseram na reunião uma semana antes da live que, para poder dar um parecer sobre possíveis crimes em eleições, era preciso uma análise mais aprofundada.
“Mandamos para lá, para acompanhar a reunião, para saber do que se tratava – se era crime, se não era crime – dois peritos da Polícia Federal para participar da reunião. Eles tiveram lá, acompanhando essa reunião prévia, mas parece que a reunião, enfim, os peritos … a notícia que eu tive, eu não conversei com eles depois da reunião, mas a notícia que eu tive foi que, para eles darem um parecer ali – para eles dizerem se houve ou não um crime -, esse material, essas discussões teriam que ser encaminhadas formalmente para a Polícia Federal. E até naquele momento, eu não tive notícia, se foi encaminhado, se não foi encaminhado; se isso foi periciado ou não foi periciado.”
Salomão então lhe pergunta o que ele enquanto ministro havia apurado sobre fraudes nas urnas eletrônicas. Torres responde que, em razão de ser um assunto frequentemente levantado pelo presidente, ele determinou que fossem elaborados relatórios sobre o assunto.
“Na verdade, eu vejo que é um processo que funciona, que funciona bem no país, num país continental como o nosso”. Defendeu, porém, que ele seja aperfeiçoado. “É uma coisa que acredito, que eu li, e eu acho que eles têm uma certa razão no que eles dizem. Eu acho que um sistema informatizado, um sistema que é possível ter algum tipo de fraude, né? Eu cito … eu tava conversando, ontem, sobre isso ainda. Eu falei: rapaz, os bancos investem bilhões mensalmente em evitar fraudes, e o número de crimes cibernéticos aumentou muito durante, durante a questão da pandemia e tudo … então, eu acho assim: é um sistema que tem que estar em constante atualização, aperfeiçoamento, como todo sistema. Mas essa é uma opinião minha; não é técnica.”
Para reforçar sua avaliação, Torres entregou ao TSE relatórios produzidos pela própria corte que apontam necessidade de constante de aperfeiçoamento. “Por exemplo, eles dizem que, por mais … eu até me lembro bem, dizem que por mais seguro que seja o software, ele, por si só, é pouco, pra uma eventual perícia, uma eventual contraprova … palavras técnicas de peritos, né?”
Salomão o questiona sobre um inquérito da Polícia Federal de uma possível fraude na eleição de 2018 que ficou inconclusivo e que foi exibido em outra live de Bolsonaro, realizada junto com o deputado Felipe Barros. Para o ministro, o inquérito foi “mal instruído”.
“Ministro, esse inquérito, com todo respeito, ele tá muito mal instruído. É um inquérito que teve início aqui, no Tribunal Superior Eleitoral… foi o Detic daqui – a gente chama de Detic lá – foi o chefe da informática daqui que deu início a esse inquérito. Ele informou … ele preparou um dossiê de informações de um possível, de um possível acesso, um possível… uma possível invasão aos sistemas aqui do TSE. E ele documentou tudo isso e mandou pra Polícia Federal. Pra a Polícia Federal apurar essa invasão que teve. Ele afirma que teve, né, no site do TSE. Mas infelizmente – e aí digo infelizmente, porque a gente não gosta de nada malfeito, né – praticamente essa é a única diligência … nem diligência é … esse é o único documento que está nos autos, a não ser o resto …despacho pedindo prazo e manifestações. É um inquérito, na minha visão, importante… um inquérito que precisa … um fato grave, narrado por um servidor aqui do Tribunal, e a gente precisa apurar esse fato.”
Salomão volta então e o questiona sobre os peritos da Polícia Federal que orientaram o Palácio do Planalto sobre a live e que também participaram desses testes de integridade nas eleições passadas. Pergunta se o modelo adotado atualmente não garante a integridade da votação e dos resultados. O ministro responde:
“Não, não, eles não afirmam isso. O que eles afirmam é que … exatamente o que está aqui, o que eles afirmam é que seria necessário aumentar a segurança, ter novos meios de pesquisas pra eles lá, no fim … vai realizar uma perícia, eles dizem que teria que ter mais meios para aquilo ali; eles não dizem que não tem …”
Salomão termina o interrogatório e passa a palavra a Paulo Gonet, autoridade máxima do Ministério Público Federal Eleitoral. Gonet pergunta: “o senhor tem conhecimento por referências do presidente, ou de pessoas em torno do Presidente, ou das suas próprias investigações, de algum outro fato ou indício de violabilidade das urnas? Quer dizer: todos os fatos e todos os indícios que são do conhecimento do governo são aqueles que foram apresentados na Iive?”
Anderson Torres responde: “Eu … como eu disse, eu realmente não tenho conhecimento de outras fraudes, assim, que eu pudesse trazer à tona (…) Eu sou daquela linha de que todo cuidado é pouco, principalmente nessas questões mais sérias. Mas assim, tecnicamente, eu não tenho conhecimento de outras fraudes ou de alguma coisa nesse sentido, né?”.
Gonet insiste: “Então … é possível dizer que quanto ao seu conhecimento dos fatos, não existiria nenhum outro, nenhuma outra prova, nenhum outro indício de fraude nas urnas, além daqueles que foram apresentados na live?”.
Torres responde: “Eu … como eu te disse, a gente encaminhou os peritos ali pra uma reunião … onde eu achava que dessa reunião nós teríamos algo assim… é… eu não tive contato, depois, com os peritos, mas a notícia que me chegou foi que pra que eles dissessem que algo mais teria, aquele material tinha que ser encaminhado pro INC, pra Polícia Federal. Não sei se foi, se não foi. Então, até o momento, eu falo tecnicamente… até o momento, tecnicamente, eu não tenho nada a dizer.”
O inquérito administrativo ainda tramita no TSE. Em fevereiro, o ministro-corregedor, Mauro Campbell, que sucedeu a Luís Felipe Salomão, pediu ao ministro do STF Alexandre de Moraes o compartilhamento de provas do inquérito 4878, que apura a existência de milícias digitais.
Procurado, o ministro da Justiça Anderson Torres não se manifestou.
Nas redes sociais, Torres escreveu que “nunca afirmou que houve fraudes em urnas”, mas argumentou que “isso não significa que o sistema não apresente possíveis vulnerabilidades”.