sexta-feira, 22 de novembro de 2024

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Mais de mil pessoas em situação de rua foram acolhidas em Belém durante pico da pandemia

Medida do Governo do Pará contra a covid-19 foi para proteção da população em situação de rua, além de obra social para reconquista da própria vida e saúde
(Foto: Ascom Seaster)
De março a julho deste ano, mais de mil pessoas, de vários municípios e até outros estados, foram atendidas no complexo poliesportivo do Estádio Olímpico do Pará, em Belém. No Mangueirão e no Manguerinho foram instalados abrigos para pessoas em situação de rua, potencialmente vulneráveis à pandemia de covid-19. Tanto para pegarem, quanto em se tornarem vetores do coronavírus sars-cov-2. Praticamente todos buscaram o atendimento sozinhos. A busca ativa do Governo do Estado nem teve muito trabalho.
Os abrigos foram montados pouco depois de o primeiro caso de covid-19 ter sido registrado no Pará, em 18 de março. Em poucos dias, o Governo do Estado anunciou uma série de medidas restritivas para tentar minimizar a transmissão do vírus. O distanciamento social se mostrou eficiente sim: todos os acolhidos não podiam ficar entrando e saindo do espaço, que era administrado, principalmente, Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda (Seaster). O contato com pessoas externas também foi limitado. Entre os abrigados, não houve casos de covid-19.
Havia atendimento para todos: crianças, adolescentes, adultos, idosos e população LGBTIQIA+. No Mangueirão, ficaram acolhidos os homens solteiros. Já no Mangueirinho, as mulheres solteiras, casais e famílias dividiram o estádio. Diariamente, os acolhidos e os profissionais que atuaram nos locais recebiam máscaras de proteção e álcool em gel para reforçar a prevenção. Pias para a lavagem das mãos também foram instaladas.
“Nós garantimos que essas pessoas tivessem suas saúdes protegidas. Em cinco meses de abrigamento, não recebemos nenhum caso de contágio pelo vírus entre os acolhidos. Disponibilizamos equipes de saúde, orientação psicológica e uma alimentação equilibrada com todos os nutrientes que o ser humano precisa”, comentou Inocêncio Gasparim, titular da Seaster.
Durante a estadia, os abrigados recebiam alimentação regular e equilibrada. Havia atendimento médico diário para diagnóstico e tratamento de diversas doenças. Quem tinha interesse, recebia apoio para tentar rastrear familiares e retomar o contato. Alguns laços foram restabelecidos. Outras pessoas receberam orientações sobre como buscar cursos profissionalizantes para tentar transformar as próprias realidades. Quem já tinha talentos bem desenvolvidos, eram orientados sobre como valorizar.
O abrigo foi um experimento social muito interessante, diz Inocêncio Gasparim. Pode ser estudado na academia e como fonte de dados para formação de políticas públicas para a população em situação de rua. O espaço foi aberto no dia 22 de março. Foi feita uma busca ativa, com dois ônibus, que conseguiram reunir 150 pessoas. Mais de 600 chegaram só pela troca de informações e a pé. Uma rede social bem eficiente.
“Essa experiências mostram que dá para devolver a dignidade dessas pessoas e reinserir na sociedade, nas famílias, no mercado de trabalho. Mas sem a dependência química. Isso agora se liga a outras políticas públicas que esperemos que sejam desenvolvidas: habitação popular, programas sociais de renda, saúde, habitação… Temos pessoas saindo com uma outra imagem: mais sadias, confiantes, bem tratadas e com esperança”, concluiu Inocêncio.
(Foto: Ascom Seaster)
Ex-abrigado conta saga entre a acolhida no abrigo e mudança de vida
Sandro Almeida, de 42 anos, passou a morar em pousadas próximas ao mercado do Ver-o-Peso após um desentendimento familiar no início do ano. “Eu tive um desentendimento na minha casa e perdi a cabeça. Preferi sair e fui ‘bater’ no rumo do Ver-o-Peso. Lá, cheguei a dormir nos hotéis e pagava diária. Passei dois meses assim, foi uma barra”, comenta.
Chegou a pandemia. O pouco dinheiro que restava começou a acabar. Sandro, em alguns momentos, teve que dormir na rua. Até que em um domingo, no final  de março, dois ônibus a serviço do governo do Estado estavam próximos à praça Waldemar Henrique, em Belém, para conduzir as pessoas que estavam em situação de rua para o abrigo emergencial no Mangueirão.
“Diante daquela situação, não tinha como ficar mais nas ruas. Eu vi os ônibus chegarem e naquele primeiro momento preferi não ir, virei as costas e continuei no Ver-o-Peso. Quatro dias depois, eu senti a situação apertar e vi o desespero chegar, estava cada vez mais difícil conseguir alimentação. Eu só tinha 40 reais no bolso, peguei um ônibus e fui parar no Mangueirão”, relembra Sandro.
Ao chegar no Mangueirão, Sandro conta que ficou assustado. Eram centenas de pessoas que não paravam de chegar por conta própria. “Eram muitas pessoas. Passei pela entrevista, recebi colchão, lençol, travesseiros e material de higiene pessoal. Eu fui muito bem acolhido”, conta.
Após o processo de triagem, a Seaster fez um trabalho de identificação civil com os acolhidos, pois muitos chegaram no espaço sem documentação. Foram 108 certidões de nascimento e 162 carteiras de identidade emitidas, em parceria com a Defensoria Pública do Estado e a Polícia Civil do Pará. Com os documentos em mãos, a equipe da Seaster viabilizou a inscrição dos acolhidos no auxílio emergencial. Ao todo, 81 pessoas tiveram os seus cadastros aprovados e o benefício liberado.
Sandro conta que aos poucos foi recuperando a autoestima e o vínculo com a mãe, com o apoio da equipe psicossocial da Seaster. “Fui me restabelecendo a cada dia, tive muitos aprendizados lá dentro. Minha mãe me visitava toda semana no abrigo. Eu sou muito grato a todas as pessoas que trabalharam nessa ação, tenho um respeito muito grande por cada um. Eu digo que é uma consideração que vou ter pelo resto da minha vida”.
No final do mês de julho, Sandro pediu o desligamento do abrigo por vontade própria e atualmente está trabalhando como agente de portaria em um estabelecimento gastronômico no centro da cidade. “Eu recebi muitas orientações dos profissionais que trabalhavam lá e isso me deu um gás pra querer algo pra minha vida. Hoje eu estou empregado, trabalho como porteiro em um bistrô. Consigo me manter e pagar minha kitnet, estou também me qualificando e atualizando meu currículo na área de segurança”, conclui.
Assim como Sandro, muitos acolhidos deixaram o abrigamento de forma voluntária para retomar seus vínculos familiares. Já outros retornaram para as suas cidades de origem e ainda tiveram aqueles que foram transferidos para abrigos mantidos por entidades filantrópicas.
(Da Redação Fato Regional, com informações da Agência Pará)