sábado, 23 de novembro de 2024

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MPF lista os crimes e transgressões de possíveis atos no dia 31 de março

Recomendação feita ao Exército, Marinha e Aeronáutica diz o que fere a Constituição e ressalta penalidades.

Os atos alusivos à celebração da passagem do 31 de março de 1964 em quartéis ou fora deles ferem a Constituição, constituem crimes passíveis de punição e também são transgressões de normas da própria vida militar. É o que ressalta o ofício encaminhado esta quarta-feira (27) aos comandos da Aeronáutica, Exército Brasileiro e Marinha do Brasil, com recomendações do Ministério Público Federal para que não permitam manifestações nesse sentido nos quartéis – e ainda cuidem para que as tropas também cumpram essas mesmas orientações.

O documento com a recomendação feita pelo MPF no Pará foi enviado aos militares no Estado que respondem pelo Comando Militar do Exército Brasileiro, o general de Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; pelo 4º Distrito Naval da Marinha do Brasil, o vice-almirante Newton de Almeida Costa Neto; e pela ALA 9 da Força Aérea Brasileira, brigadeiro do ar Ricardo José Freire de Campos.

“Todos os comandos têm sede na capital paraense, Belém, mas a ordem deve ser estendida aos batalhões e tropas sediados em qualquer cidade do Estado”, diz a recomendação do MPF-PA.

Em resposta, a Marinha do Brasil se manifestou no fim da tarde desta mesma quarta-feira, confirmando que não realizará cerimônias em alusão à data. Os comandos do Exército e da Aeronáutica sediados em Belém ainda não se manifestaram. O Exército diz que se pronunciará sobre o assunto nesta quinta-feira (28).

Segundo o Ministério Público Federal, os regulamentos disciplinares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica consideram transgressão que qualquer militar participe, fardado, de manifestações de natureza político-partidária.

“No caso da Marinha, é vedada a manifestação pública de seus integrantes sobre assuntos políticos e, no caso da Aeronáutica, é também proibido participar de discussão sobre política ou religião que possa causar desassossego”, esclarece o MPF.

Trecho do ofício do MPF aos comandos: “Prazo de 48 horas para informar cumprimento” (reprodução)

IMPROBIDADE

O Ministério Público Federal também ressalta que comemorações em homenagem à ditadura militar “violam regulamentos e também podem constituir ato de improbidade administrativa, por atentarem contra os princípios da administração pública: moralidade, legalidade e lealdade às instituições”.

As punições previstas na Lei de Improbidade vão da demissão do serviço público a até a suspensão dos direitos políticos, além de multas previstas.

ORDEM DO DIA

O documento com a recomendação nacional do MPF menciona as recentes declarações do porta-voz da presidência da República, no último dia 25 de março, que confirmaram ordem presidencial para que o Ministério da Defesa faça “as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964, o que inclui até o texto que deve ser lido nos quartéis, sob a forma de uma ordem do dia já aprovada pelo  presidente”.

O MPF diz que homenagens feitas por servidores civis e militares, no exercício de suas funções, “referentes ao período histórico no qual houve supressão da democracia e dos direitos de reunião, liberdade de expressão e liberdade de imprensa, violam a Constituição Federal, que consagra a democracia e a soberania popular”.

Um total de 20 procuradores da República que atuam no Pará assinam a recomendação. Segundo o documento do MPF, o presidente da República deve se submeter à Constituição e não tem o “poder discricionário de desconsiderar todos os dispositivos legais que reconhecem o regime iniciado em 1964 como uma ditadura.

“Além disso, o País já reconheceu em várias instâncias o dever de reparar as vítimas de abusos cometidos durante esse período, o que implica que nenhum governo pode “infligir a elas novos sofrimentos, o que é certamente ocasionado por uma comemoração oficial do início de um regime que praticou graves violações aos direitos humanos”.

A recomendação do MPF considera ainda, além da Constituição brasileira, os vários tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, e que determinam o respeito à democracia e a obrigação de qualquer governo de defendê-la.

Entre os documentos internacionais citados está o pedido feito pelo Brasil e pelos Estados Unidos, em 2018, para que a Venezuela fosse suspensa da Organização dos Estados Americanos por violação de preceitos democráticos, além da Declaração do Grupo de Lima, assinada pelo atual governo em janeiro de 2019, que exige o restabelecimento da democracia na Venezuela.
CONSTITUIÇÃO À PROVA

“A exigência de respeito à democracia em outros países do continente não é condizente com homenagens a período histórico de supressão da democracia no Brasil”, reitera a recomendação do MPF, que enumera também dispositivos constitucionais, conclusões da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos nas quais foram reconhecidas violações de direitos humanos durante a ditadura militar no Brasil.

Um dos documentos citados é o ofício do Ministério da Defesa de 19 de setembro de 2014, que reconheceu “a existência das lamentáveis violações de direitos humanos durante o regime militar” e também registrou que os Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica “não questionaram as conclusões da Comissão Nacional da Verdade (CNV), por não disporem de elementos que sirvam de fundamento para contestar os atos formais de reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro”.

CRIMES 

O MPF lembra que, além de reconhecer os atos de exceção praticados pela ditadura militar que não foram contestados pelas Forças Armadas brasileiras, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) emitiu recomendação proibindo “a realização de eventos oficiais em comemoração ao Golpe Militar de 1964”.

O documento de recomendação do MPF ressalta ainda que, na Constituição de 1988, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o poder constituinte também fez constar o reconhecimento expresso das violações dos governos militares e, pela lei 9.140/1995, “o Brasil reconheceu como mortas as pessoas que, acusadas de participação em atividades políticas entre 2 de setembro de 1961 e 5 de outubro de 1988 e detidas por agentes públicos, estivessem desde então desaparecidas”.

As mensagens enviadas aos comandos da Aeronáutica, Marinha e Exército no Pará também citam que em dois processos sobre crimes da ditadura na Corte Interamericana de Direitos Humanos, o estado brasileiro “também reconheceu sua responsabilidade pelos atos de agentes públicos durante o período de exceção”, e lembra ainda aos comandantes militares que a Constituição Federal de 1988 restabeleceu a democracia após o período ditatorial entre 1º de abril de 1964 e 15 de março de 1985, “durante o qual o país foi presidido por governos militares, com supressão das eleições diretas e dos direitos decorrentes do regime democrático”.


O MPF assinala ainda que a aplicação do princípio democrático não se resume às eleições periódicas, mas rege o exercício de todo o poder, e que “a Constituição repudia o crime de tortura e considera inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o estado democrático”.

 

 

 

Fonte: OLIBERAL.COM