sábado, 23 de novembro de 2024

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Projeto pode dar a proprietários rurais, ‘licença para matar’, aumentando a violência no campo

Norte e Nordeste concentram os maiores índices de violência nas áreas rurais. Excludente de ilicitude na defesa de propriedades é combustível para conflitos.

No final de abril, o presidente Jair Bolsonaro anunciou um projeto de lei que previa a excludente de ilicitude na defesa de propriedades rurais. Os proprietários ou representantes poderão, caso o projeto seja aprovado, estar isentos de processos caso matem alguém que consideram um invasor ou ameaça. Essa “licença para matar” ainda não existe na prática, mas há análises que apontam risco de aumento da violência no campo, que já vitima muita gente todo ano no Brasil. Principalmente nas regiões Norte e Nordeste.

Norte e Nordeste, que concentram muitas áreas rurais e espaço de interesse do agronegócio (legal ou não), representam as maiores parcelas da violência no campo. Dos 1.431 conflitos ocorridos no Brasil em 2017, 496 foram no Nordeste, resultando em 16 assassinatos, 69 tentativas de assassinato (65 só no Maranhão), 130 ameaças de morte (106 apenas no Maranhão) e 62 agressões físicas (48 delas no Maranhão). O maior número de mortos, no entanto, ficou na Bahia: 10 homicídios do total. Os dois estados com as maiores estatísticas violência também tiveram o maior número de conflitos.

Na região Norte, em 2017, foram registrados 474 conflitos, que resultaram nas mortes de 42 pessoas. Pará e Rondônia concentram os resultados mais violentos, com 22 e 17 mortos, respectivamente. Disparadamente, lideram com os mais altos números de conflitos da região, que ainda teve 36 tentativas de homicídio (22 no Pará), 79 ameaças de morte (41 no Pará), dois torturados (ambos no Tocantins) e 27 agredidos. Esses dados são do estudo “Conflitos no campo Brasil 2017”, um trabalho anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Para Carlos Eduardo Rodrigues Bandeira, advogado especialista em direito penal, o Brasil possui um longo histórico de conflitos no campo, já que o maior ativo do país é a terra. A excludente de ilicitude na defesa de propriedades pode ser enquadrada como exercício regular de um direito. Em um primeiro momento, a defesa da posse e da propriedade pode ocorrer pelo próprio proprietário ou quem lhe represente, desde que seja uma resposta imediata ao esbulho ou turbação da propriedade (perda total ou parcial da posse).

“Contudo, essa nova excludente de ilicitude proposta pelo governo pode gerar uma série de situações que aumentarão a violência no campo”, alerta Bandeira. Isso porque o conceito de invasão pode abranger uma gama de situações, aponta. Por exemplo: um grupo de viajantes que viessem a se perder em zona rural e, por engano, adentrassem uma propriedade rural. “Nesse caso, eles poderiam facilmente ser atingidos pelo proprietário de terras, que a conduta não seria punida, já que não seria reconhecida pelo judiciário como crime”, explica.

Governo demonstra intenção de acuar movimentos sociais

Na avaliação do advogado, um projeto de lei desses demonstra intenção do governo em criminalizar atos de movimentos sociais em defesa da terra e da reforma agrária. “No entanto, se essa fosse a intenção do governo, seria mais fácil tipificar penalmente a conduta de invasão de fazendas produtivas ou alterar a lei processual civil para acelerar as ações de reintegração de posse e as demais ações possessórias previstas em lei”, pondera.

A proposta esbarra em uma série de artigos constitucionais e legais. “Da forma em que foi feita pelo governo,  ela se aproxima muito mais da justiça pelas próprias mãos ou da justiça privada do que da justiça legal admitida em estado democrático de direito”, diz Bandeira.

Além do aumento da violência no campo, Bandeira prevê aumento do abismo que existe entre latifundiários e não proprietários de terras, que poderá gerar outras vítimas que não são parte do conflito. “A terra, o maior ativo de um país como o Brasil, cuja maior riqueza é agrária, precisa de outras formas de defesa que não o estímulo à violência no campo”, conclui.

Padre Paulinho Silva, um dos coordenadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Pará, destaca que a entidade já se posicionou contrária a qualquer facilitação da posse e porte de armas. E concorda com a análise do advogado ao dizer que os conflitos por terra se resolvem na justiça e não na base da violência. Ele também considera ser uma tentativa de acuar os movimentos sociais em defesa da reforma agrária.


“O poder público precisa é fazer reforma agrária. Muitos dos grandes proprietários que podem se beneficiar desse projeto são grileiros. Pessoas com títulos fraudulentos. Graças ao trabalho da CPT, vários hectares de terras já foram recuperados pelos estados e União. Terra tem função social, pela Constituição Federal. Como pode ser privatizada Essa idolatria à propriedade privada é contra os valores cristãos da vida, do trabalho e do bem social. Quem aplaude projetos como esses é a indústria de armas e a indústria da pistolagem no campo”, critica o religioso.

 

 

Fonte: OLIBERAL.COM