segunda-feira, 25 de novembro de 2024

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Desmatamento e mudanças climáticas podem dividir a Amazônia em duas até 2050

A porção oriental da região tende a perder 95% de suas florestas e o Pará deve ser o estado mais prejudicado.

O desmatamento e as mudanças climáticas podem dividir a Amazônia em duas até 2050. A Amazônia Oriental pode perder 95% de suas florestas e o estado do Pará será o mais prejudicado, porque já é o campeão regional em perdas de diversidade. É o que aponta um estudo publicado este mês na revista Nature Climate Change, onde três pesquisadores de instituições do Pará e um da Holanda apresentam uma análise combinando cenários de impactos do desmatamento e das mudanças climáticas com conclusões alarmantes.

O estudo levou em consideração a Pan Amazônia, envolvendo os nove países que fazem parte dela, em cerca de 5,7 milhões de quilômetros quadrados.

De acordo com a previsão do cenário mais pessimista, conhecido como business as usual, metade da floresta ao sul da Amazônia pode ser reduzida a fragmentos, levando muitas espécies a um sério risco de extinção. É destacado que uma em cada dez espécies de árvores do mundo cresce na Amazônia e mais da metade pode estar ameaçada de extinção até as próximas três décadas.

O estudo foi realizado pelos seguintes pesquisadores: Vitor Gomes (primeiro autor), que defendeu tese de doutorado sobre este assunto no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (MPEG/Embrapa/UFPA); Rafael Salomão (coautor), do Museu Goeldi e professor da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra); Ima Vieira (coautora), do Museu Goeldi; e Hans ter Steege (coautor), do Naturalis Biodiversity Center em Leiden, Holanda.

O estudo mostra que, até 2013, o desmatamento já havia atingido áreas aptas à distribuição de 98,7% das espécies de árvore na Amazônia. A partir das projeções para o ano de 2050, as mudanças climáticas se mostraram capazes de superar os impactos do desmatamento. As perdas de áreas aptas provocadas pelo desmatamento variaram entre 19% e 33%, enquanto que a variação com base nas mudanças climáticas variou entre 47 e 53%.

“Apesar do maior potencial de perda provocado pelas mudanças climáticas, ambos os cenários apresentam resultados alarmantes e podem ter consequências severas para a biodiversidade amazônica”, considerou Vitor Gomes.

CENÁRIOS

Foi considerado que um cenário futuro realístico deveria apresentar ambos os impactos combinados e os resultados desta combinação se traduziram em perdas ainda maiores. As perdas podem variar entre 53 e 65%, do cenário mais otimista ao mais pessimista. Tais perdas resultariam em uma redução da riqueza de espécies entre 43 e 58%.

“Apesar do importante papel das florestas tropicais na regulação do clima, conservação da biodiversidade e fornecimento de serviços ecossistêmicos, corremos o risco de perder quase 60% da riqueza arbórea da Amazônia”, disse Rafael Salomão.

Mesmo o cenário combinado mais otimista prevê uma perda de mais da metade das áreas aptas à distribuição das espécies arbóreas amazônicas. O número total de espécies ameaçadas nos cenários combinados pode variar entre 4.872 (48,4%) e 4.993 (49,6%).

Apesar da pequena diferença entre os cenários combinados, no mais otimista, o número de espécies classificadas como “Criticamente Ameaçadas” (CR) é menor, caindo de 22% (mais pessimista) para 11% (mais otimista).

O cenário mais pessimista é baseado nas tendências atuais de desmatamento e emissões de CO2, considerando a ausência de ações mitigadoras ou o aumento da governança. Um dos mapas apresentados no estudo mostra a Amazônia divida ao meio no cenário mais pessimista.

Uma das metades, formada pelas porções leste, sul e sudeste da Amazônia, aparece severamente fragmentada e, a outra metade, formada pelas porções norte, central e oeste, aparece com um formato ainda contínuo.

ESPÉCIES DEVEM TER DIFICULDADE DE ENCONTRAR NOVOS AMBIENTES

Segundo Hans ter Steege, espécies como a E. falcata podem ter grande dificuldade de encontrar novos ambientes no futuro. As árvores desta espécie não conseguem espalhar suas sementes a mais do que 15 metros de distância e seus indivíduos precisam de cerca de um século para atingirem a maturidade.

“Muitas populações de espécies movem-se lentamente. Eu comumente leio artigos inferindo que, devido às mudanças climáticas, alguns tipos de florestas serão encontrados em outras regiões em 2050. Mas como estas florestas podem ao menos chegar lá? Elas pegarão um trem?”, questionou.

Apesar dos resultados alarmantes, o estudo destaca o importante papel da rede de áreas protegidas da Amazônia. Estas áreas podem prevenir a redução da riqueza de espécies em relação às previsões dos impactos futuros.

Os autores acrescentam que o cenário mais pessimista aparenta ser cada vez mais realista, pois o desmatamento na Amazônia está aumentando novamente e os esforços atuais para limitar o aquecimento global são claramente insuficientes.

RISCO PELA ELIMINAÇÃO DA RESERVA LEGAL

Segundo Ima Vieira, vale a pena destacar que a floresta amazônica corre um grande risco por conta da aprovação do Projeto de Lei 2362/2019 no Brasil, que propõe a eliminação da reserva legal nas propriedades rurais.


“Se isso acontecer, cerca de 89 milhões de hectares podem ser diretamente ameaçados pelo desmatado na Amazônia”, alarmou Ima. “É fundamental o avanço da governança ambiental na região, considerando as áreas protegidas e as reservas legais como instrumentos complementares da proteção da biodiversidade”, completou.

 

 

Com informações do Museu Goeldi