Com déficit de profissionais – principalmente no Sistema Único de Saúde (SUS) – e falta de equipamentos de proteção para médicos e enfermeiros, o País corre o risco de sofrer um apagão de trabalhadores da saúde, caso o surto de coronavírus atinja proporções como as de Itália, Espanha e Estados Unidos.
Segundo conselhos de classe, especialistas e trabalhadores ouvidos pelo Estado, não são apenas leitos e respiradores que serão insuficientes na assistência aos infectados. Com a carência de profissionais em alguns hospitais e a possibilidade de contaminação e consequente afastamento de um grande número de servidores, poderão faltar especialistas na linha de frente do combate ao vírus, como ocorre em outros países.
O Brasil registra um índice de médicos inferior a países desenvolvidos. Enquanto a média das nações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 3,3 profissionais por mil habitantes, no Brasil essa taxa é de 2,1 e cai para menos de 1 em alguns Estados do Norte e Nordeste, segundo o estudo Demografia Médica de 2018, do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Mesmo na área de enfermagem, na qual a oferta de profissionais é maior, parte dos hospitais contrata um número de trabalhadores inferior ao preconizado pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen). Somente em fiscalizações realizadas pelo Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) neste ano em três hospitais paulistas, o órgão encontrou um déficit de 761 enfermeiros e 617 auxiliares e técnicos de enfermagem.
“Por mais que existam profissionais disponíveis no mercado, os hospitais, principalmente da rede pública, trabalham com o mínimo possível de funcionários, longe das condições ideais de qualidade e segurança para o paciente. Com a pandemia, o cenário, que já era subdimensionado, vai levar os trabalhadores a uma condição de exaustão”, diz Renata Pietro, presidente do Coren-SP.
De acordo com Ederlon Rezende, do conselho consultivo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), a situação é ainda pior nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI). “Falta espaço, faltam leitos, mas falta principalmente pessoal. Se tivermos alguma situação de colapso do sistema, eu diria que vai ser principalmente por falta de profissionais. Médicos e enfermeiros de outras especialidades provavelmente vão ter de ajudar no atendimento das UTIs”, comenta.
Há Estados, como Amapá e Roraima, que têm, em todo o seu território, menos de cinco médicos intensivistas.
O quadro de carência de profissionais, observado antes mesmo do surto de covid-19, é agravado agora pela falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), como máscaras e luvas. O problema torna os profissionais mais suscetíveis à contaminação. Além do prejuízo para a saúde individual do funcionário, a infecção provoca baixas nas equipes de assistência.
Apenas nesta semana, o Cofen recebeu cerca de 1,5 mil denúncias de profissionais de enfermagem sobre falta de EPIs. Em pesquisa iniciada nos últimos dias e ainda em curso, a Associação Médica Brasileira (AMB) recebeu pelo menos 2 mil queixas.
“Esse é um dos fatores que podem levar a um apagão de profissionais de saúde: muitos que estão na linha de frente vão adoecer. Isso é inevitável. Além disso, podemos chegar a uma situação que, mesmo com contratações extras, a gente não dê conta da demanda. Em outros países, tiveram de convocar profissionais aposentados”, diz Walkirio Costa Almeida, coordenador do Comitê de Crise Covid-19 do Cofen.
Além dos afastamentos por contaminação, há ainda casos de profissionais que entraram de licença por fazer parte de grupos de risco da doença, como idosos ou doentes crônicos. Dados do governo chinês apontam que cerca de 3 mil profissionais da saúde se contaminaram com o coronavírus durante o surto no país asiático. Na Itália, já são pelo menos 2,5 mil trabalhadores infectados. Mesmo entre os que tinham EPIs, houve casos de contaminação no momento da retirada do traje especial.
No Brasil, hospitais como Albert Einstein, Sancta Maggiore, HCor e Servidor de São Paulo já registraram casos da doença entre os funcionários. “Está faltando álcool em gel. Não tem máscara para todo mundo. Tem colegas que estão comprando touca de cabelo, máscara e avental com o dinheiro do próprio bolso”, conta Natalia (nome fictício), técnica de enfermagem de um hospital estadual da zona norte da capital. Ela não quis se identificar, por medo de represálias. “A gente está postando os problemas nas redes sociais e os chefes mandam apagar”, afirma.
Preocupado com a situação, o Cofen decidiu abrir um chamamento público para a compra de máscaras de proteção do modelo N95. “Serão R$ 10 milhões para essa compra, mas não sabemos quantas unidades poderemos comprar porque o preço está aumentando”, conta Almeida. “Temos medo de nos contaminar e levar o vírus para a nossa família. As equipes estão assustadas”, desabafa Natália.
Fonte: Agência Estado