terça-feira, 26 de novembro de 2024

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Meta de matricular crianças de 6 a 14 anos está sob risco em 89% dos municípios

Plataforma dos tribunais de conta estaduais acompanha o cumprimento de metas até 2024 com base em dados detalhados por município, que não constam no monitoramento federal.

Os municípios e estados brasileiros têm até 2024 para garantir que todas as crianças e adolescentes de 6 a 14 anos estejam matriculados ou já tenham concluído o ensino fundamental. Uma ferramenta lançada pelos tribunais de conta estaduais mostra, no entanto, que 89% das cidades estão correndo o risco de descumprir essa meta, que foi determinada na lei do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014.

Os dados da plataforma TC Educa são relativos ao ano 2017, o mais recente disponível, e foram obtidos com exclusividade pelo G1. A plataforma é usada tanto na fiscalização quanto para auxiliar os prefeitos a desenvolverem planos para cumprir a meta.

O levantamento considerou em “risco de descumprimento” o município que, entre 2014 e 2017, tinha uma tendência anual de expansão do atendimento menor do que a necessária para cumprir a meta em 2024.

Ao todo, 4.947 municípios estavam nessa situação. O Brasil tem 5.570 cidades – mas cinco delas ficaram de fora do levantamento, porque foram fundadas depois de 2010.

A ferramenta acompanha o índice de atendimento desde 2014 e usa dois dados como base:

  • a estimativa populacional de cada município, feita em 2012 pelo Datasus com base no Censo Populacional de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);
  • e a quantidade de matrículas nas escolas, divulgada todos os anos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Os dois números mostram uma estimativa da porcentagem total da população naquela faixa etária que estava matriculada no ano de referência. Comparando o histórico das taxas de atendimento, é possível ver que 4.817 dos 5.565 municípios com dados disponíveis estão indo na contramão da meta, porque, em 2017, apresentaram uma taxa mais baixa do que a de 2014.

O TC Educa aponta ainda que a taxa de atendimento para todo o Brasil era de 86,7% em 2017.

A plataforma, porém, usa uma metodologia diferente do monitoramento do governo federal, que tem números diferentes. Isso acontece porque o governo usa outra base de dados populacional, que só tem números nacionais e agregados por estados e grandes regiões, e não contempla os municípios. Assim, pelo monitoramento do governo federal, a taxa de atendimento do Brasil foi de 97.7% em 2015.

Monitoramento dos tribunais de contas

A plataforma foi criada em 2017 por um grupo de trabalho dos tribunais de conta do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, com o objetivo de ajudar os tribunais de todo o país a acompanhar os trabalhos de expansão das matrículas de prefeitos e governadores.

No início, o TC Educa monitorava duas das 20 metas do PNE: as metas 1 e 3, que determinavam a expansão de matrículas na educação infantil e no ensino médio. Neste mês, porém, a ferramenta incorporou o acompanhamento da meta 2, sobre a matrícula no ensino fundamental.

Um dos objetivos da plataforma é obter dados detalhados por município, um mecanismo de que, até então, o Brasil não dispunha.

Em entrevista ao G1, Cezar Miola, presidente do Comitê Técnico de Educação do Instituto Rui Barbosa (IRB) e conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul (TCE-RS), explicou que os funcionários dos tribunais de conta desenvolveram e alimentam a plataforma em um “esforço quase voluntário” para garantir um acompanhamento adequado do trabalho dos gestores.

Ele explica que as metas 1 e 3 foram as primeiras incluídas porque eram as mais urgentes: o prazo para matricular todas as crianças de 4 a 5 anos e de 15 a 17 anos terminou em 2016 – e não foi cumprido por todos os gestores. Além disso, a meta da inclusão de metade das crianças de 0 a 3 anos em creches já foi prorrogada mais de uma vez: “O plano [nacional de educação] anterior tinha falta de acompanhamento, de monitoramento. A meta 1 do plano anterior era atender 50% das crianças de 0 a 3 anos até 2011”, lembra ele. Essa meta não foi cumprida. “Depois projetaram isso para 2020, mas o plano foi se arrastando, só foi aprovado em 2014, então a meta foi transferida para 2024.”

Mesmo com esse adiamento, o Brasil continua em risco de não cumprir o objetivo do plano. Em 2016, a taxa de atendimento das creches chegou a apenas 32%, segundo o último monitoramento divulgado pelo Inep, de junho do ano passado.

Metodologia diferente do governo federal

Desde que o PNE atual foi aprovado, há cinco anos, o monitoramento oficial do governo federal é feito pelo Inep e divulgado a cada dois anos.

Mas, como esse levantamento não contempla os dados detalhados por municípios, o comitê de educação do IRB decidiu criar uma plataforma própria em 2017. O objetivo era facilitar o trabalho dos tribunais de conta e, também, dos próprios gestores municipais.

Os dois mecanismos de monitoramento levam em conta o Censo Escolar, que é feito anualmente pelo Inep, para saber quantos alunos estão matriculados em cada escola, município e estado.

Porém, as bases de dados usadas para saber qual é a estimativa da população em cada faixa etária são diferentes:

  • os tribunais de conta usam o levantamento do Datasus feito em 2012 com base no Censo Populacional de 2010;
  • e o Inep leva em conta as informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada todos os anos.

Embora os dois dados sejam do IBGE, eles têm abrangência diferente: por um lado, a Pnad Contínua é uma estimativa calculada anualmente, o que a torna mais precisa. Por outro, ela é mais genérica, e só leva em conta os números nacionais, estaduais e das grandes regiões.

Já os dados elaborados pelo Datasus são mais antigos, mas eles oferecem informações detalhadas por município, que são o objeto de análise dos tribunais de contas.

Além disso, os dados consolidados para o Brasil do TC Educa são diferentes que os do governo federal. Isso acontece porque o cálculo não é uma média das taxas de atendimento estaduais ou municipais, mas, sim, a soma de todas as matrículas e de toda a população de cada município. Só depois é calculada a porcentagem de crianças e adolescentes matriculados. “Não pretendemos ter o monopólio desse controle e nem deixamos de valorizar essa metodologia utilizada pelo Inep, porque eles olham a política pública no ambiente da federação. Os dados da Pnad envolvem estados, capitais e grandes regiões, mas não envolvem os municípios em sua grande maioria”, explicou Cezar Miola.

Avaliação caso a caso

Segundo ele, os tribunais levam em conta as limitações da metodologia na hora de analisar os casos de cada município. Os gestores têm a possibilidade de apresentar o plano de ação para cumprir a meta, e inclusive questionar os números se apresentarem dados mais precisos.

Por isso, Miola ressalta a importância de os prefeitos fazerem o que os especialistas chamam de “busca ativa”, ou seja, encontrar as crianças que vivem na cidade e não estão matriculadas na escola. Ele explica que, principalmente em municípios com menos de 10 mil habitantes, um pequeno fluxo migratório de algumas famílias pode impactar no cálculo da taxa de atendimento.

“Se o gestor faz a busca ativa e oferece elementos que desconstituem a análise do tribunal, a gente lógico que vai levar isso em conta”, disse ele. “Tudo é feito de maneira voluntária, por adesão. Nós oferecemos sugestões aos tribunais, mas cada um adota. A ferramenta permite, por exemplo, que o gestor seja alertado automaticamente toda vez que incide uma determinada meta.”

Caso fique claro que aquela prefeitura não está tomando medidas concretas para expandir as matrículas e cumprir a meta prevista em lei, a pena pode ser a aplicação de multa ou a reprovação das contas daquele gestor. “É uma ferramenta de controle, pode depois servir como base técnica no relatório de prestação de contas do gestor, por vereadores, conselhos tutelares e a imprensa. Quanto mais pessoas acompanham o assunto e cobram, é mais provável que uma solução seja encaminhada.”

Fonte: G1