quarta-feira, 24 de abril de 2024

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Abismo racial ainda precisa ser superado no Brasil

Especialista em sociologia e antropologia afirma que educação social pode acabar com racismo e discriminação

O período escravista deixou várias marcas sociais no Brasil, e uma das heranças é o preconceito e a discriminação contra pessoas negras. Um levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que as pessoas pretas e pardas representam 56% da população no país, mas, mesmo assim, são minoria nos espaços de decisão: ocupam pouco mais de 29% dos cargos de gerência nas empresas brasileiras, por exemplo.

Além disso, os negros são maioria entre os mais pobres. Entre os 10% dos brasileiros com menor renda familiar mensal, 75% são negros. E uma pessoa negra tem 2,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio que uma pessoa branca, segundo o estudo, chamado “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”, que ainda traça um quadro desanimador: mais de 100 anos passados desde o fim da escravidão, um abismo ainda parece separar negros e brancos.

No Pará, o racismo também ocorre com frequência. A Delegacia de Combate aos Crimes Discriminatórios e Homofóbicos (DCCDH) informou à reportagem que, no ano de 2019, houve ocorrência de 17 inquéritos policiais por injúria racial e três inquéritos policiais por racismo.

A professora Denise Machado Cardoso, da Assessoria de Diversidade e Inclusão Social (Adis), e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), explicou que o racismo como é conhecido hoje no Brasil se caracteriza por ser fenotípico, ou seja, a aparência é uma marca mais importante do que a origem. Assim, pessoas com traços negroides sofrem racismo por sua aparência.

“Esse preconceito foi instaurado em tempos modernos a partir da escravização de povos do continente africano e americano. Era uma das justificativas para escravizar outros seres humanos, isto é, colocavam em situação de inferioridade aqueles que se desejava escravizar. Portanto, existe uma explicação socioantropológica para o racismo”, pontua a estudiosa. Cardoso ressalta que, embora a raça seja um conceito utilizado, o racismo não tem fundamentação biológica. “Raça é algo criado pelas sociedades e, portanto, varia conforme o momento histórico. O racismo é, predominantemente, essa discriminação a partir da aparência”.

A criação do padrão de beleza a partir da “soberania branca”, como acreditam os racistas, se deu porque os povos dominadores e hegemônicos do capitalismo tendem a ser de grupos sociais caracterizados por pessoas brancas, de acordo com Cardoso. Então, a partir desse referencial de europeus, criou-se um discurso que justifica a hegemonia de brancos sobre negros e ameríndios, além de mestiços. “Jovens negros de periferia, mulheres negras em concurso de beleza ou concorrendo em vagas de empregos são facilmente percebidos como inadequados”, destaca. Na prática, no entanto, esse racismo se revela de maneira violenta que vai das palavras ofensivas e chegando até à violência física e aos assassinatos.

Crime racial pode levar a reclusão e multa

Conforme explicou a advogada Luanna Tomaz, diretora da Faculdade de Direito da UFPA, o racismo pode acontecer como crime de ódio racial. Nessa forma direta de racismo, um indivíduo ou grupo manifesta-se de forma violenta física ou verbalmente contra outros indivíduos ou grupos por conta da etnia, raça ou cor. “Há uma confusão entre injúria racial e racismo, muitas pessoas não entendem a diferença. O primeiro é mais individualizado, ou seja, contra um indivíduo, a exemplo de quando uma pessoal negra é chamada de algo ofensivo. Já a segunda atinge a coletividade, como quando alguém diz que negros não deveriam frequentar determinado espaço”, explica Tomaz.

O racismo é um conceito previsto na Constituição, segundo a advogada. Pela legislação, será punido quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor ou etnia, com reclusão de um a três anos e multa; fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo, com reclusão de dois a cinco anos e multa; cometer crimes de discriminação nos meios de comunicação social ou publicação, com reclusão de dois a cinco anos e multa; injuriar alguém, ofendendo a dignidade ou o decoro, com reclusão de um a três anos e multa; entre outros.

Mesmo que não conste na legislação, há também o racismo institucional, que ocorre de maneira menos direta, com a manifestação de preconceito por parte de instituições públicas ou privadas, do Estado e das leis que promovem a exclusão ou o preconceito racial. Pode-se tomar como exemplo as formas de abordagem de policiais contra negros, que tendem a ser mais agressivas. O racismo estrutural ocorre de maneira ainda mais branda, segundo as especialistas, e de forma imperceptível, por isso é considerado o cenário mais “perigoso”. Trata-se de um conjunto de práticas, hábitos, situações e falas que promovem, direta ou indiretamente, a segregação ou o preconceito racial.

Por exemplo, o baixo acesso de pessoas negras, por muito tempo, às universidades, escolas particulares e até restaurantes caros indicavam racismo estrutural. Ou seja, esses locais já foram considerados – e ainda são, pelas pessoas racistas – espaços exclusivos da elite branca. Mas a mesma pesquisa do IBGE mostrou que, em 2019, pela primeira vez, o índice de alunos pardos e negros matriculados em universidades públicas brasileiras superou a taxa de alunos brancos, alcançando 50,3%.

“A educação pode contribuir no combate ao racismo em suas diversas manifestações. O estudo da história e cultura da África, por exemplo, amparado por lei, é um excelente exemplo para perceber que esse continente como um todo foi explorado para fins de enriquecimento de outros povos. O respeito à diversidade é algo que se aprende, do mesmo modo como se aprende a ser racista. Portanto, é possível superar o racismo, e todas as formas de violências, pela educação. E não apenas nas escolas, mas em todos os ambientes e situações”, avalia a pesquisadora Denise Cardoso.

Racismo contra mulheres precisa ser superado, diz especialista

Para além das discussões sobre discriminações raciais contra populações negras, outro grande debate de ativistas e representantes de movimentos sociais é quanto ao preconceito existente contra as mulheres negras, especificamente. Segundo a integrante da Assessoria de Diversidade e Inclusão Social, o feminismo prega o fim da desigualdade e defende que seres humanos sejam respeitados, independente de seus marcadores sociais, em uma sociedade mais igualitária e sem discriminação por gênero, raça, classe e geração. Já o machismo, afirma ela, é a maneira como as mulheres são discriminadas em relação aos aspectos masculinos da sociedade.

O próprio machismo é algo que se pode também combater com educação, na avaliação da estudiosa, fazendo com que as mulheres sejam tratadas sem quaisquer tipos de violências, simplesmente por serem mulheres. Ela diz que as mulheres negras, especialmente, foram objetificadas ao longo do processo de formação social do Brasil. “A ideia de uma democracia racial, sustentada na explicação de que houve miscigenação amigável, é contestada em termos de documentos históricos e evidências socioantropológicas. As mulheres negras são tratadas de maneira desigual, inferiorizadas e há séculos essa visão é reforçada pela mídia, pelas políticas públicas, pelo mercado e pela sociedade como um todo”, argumenta Cardoso.


Os movimentos sociais, por exemplo, combatem ininterruptamente o racismo, segundo a especialista, a despeito dos discursos e práticas violentas contra as mulheres negras. Uma das vertentes do movimento feminista, o feminismo negro é uma das principais expressões contemporâneas da luta contra o racismo.

 

 

Fonte: O Liberal, por Elisa Vaz