São Félix do Xingu, no sul do Pará, é palco de um projeto de agroecologia e que apresenta uma fruta amazônica ao mercado nacional e internacional: a golosa (Chrysophyllum sanguinolentum). É um fruto de sabor exótico e complexo, que passa pelo doce e pelo ácido, mas com significativo potencial nutritivo. Pequenos produtores familiares são protagonistas da proposta do programa Florestas de Valor, em parceria com a prefeitura municipal, na gestão do prefeito João Cleber (MDB).
A golosa é encontrada ao longo do rio Fresco, em São Félix do Xingu. Anualmente, a produção local varia de 10 mil a 15 mil quilos. Há ocorrência também no Amapá e no Amazonas. Nas comunidades ribeirinhas, a golosa é produto de consumo tradicional, incorporada à alimentação diária das famílias e muito apreciada. Há uma suposta origem do nome: de tão gostosa, a golosa desperta a gula de quem a come.
A fruta tem potencial agroecológico. O pé de golosa é uma árvore que pode chegar a 30 metros de altura, sendo uma essência nativa da Amazônia. É candidata para utilização na recomposição de passivo ambiental, enriquecimento de sítios e pomares, enriquecimento de matas ciliares, recuperação de áreas de proteção permanentes em rios e córregos e pode ser consorciada com a cultura do cacau em Sistemas Agroflorestais (SAFs). Inclusive, já há projetos agroecológicos de cacau em São Félix do Xingu.
“Não tenho nenhuma dúvida sobre o potencial de mercado da golosa. Com a polpa é possível fazer sucos, picolés, sorvetes, doces, mousses. As possibilidades são muitas”, afirma o secretário municipal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de São Félix do Xingu, Marlos Peterle. Degustações da fruta faziam sucesso no Frutal Amazônia, feira de produtos Amazônicos realizada pelo Governo do Pará, em Belém.
Propriedades nutricionais da golosa estão em estudo e fruta terá registro formal
Pelo programa Floresta de Valor, iniciativa do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a golosa pode ser fonte de renda. E ainda, ajudar a conservar a floresta. O projeto tem apoio da Petrobras e do Governo Federal. A Prefeitura de São Félix do Xingu, que tem apoiado e criado propostas de reduzir o desmatamento ilegal e recuperar florestas, tem ajudado o programa no município.
Em parceria com a Associação das Mulheres Produtoras de Polpas de Frutas (AMPPF), Emater e Prefeitura Municipal de São Félix do Xingu, o Instituto trabalha para a ampliação da área cultivada e da capacidade de industrialização do produto, além da obtenção de certificação para comercialização da fruta.
“Hoje a gente considera que a golosa é uma alternativa de renda para as mulheres dentro de um mercado tão competitivo como o de polpas de frutas. Além de apoiarmos a produção de mudas no viveiro da AMPPF e de estimularmos a implantação de SAFs com golosa consorciada, também estamos dando apoio para apoio ao processo de registro da fruta nos órgãos de defesa sanitária e para isso está sendo finalizada uma pesquisa sobre as qualidades nutricionais da golosa”, explica Celma de Oliveira, coordenadora de projetos do Imaflora.
Os estudos sobre as qualidades nutricionais da fruta foram realizados pelo engenheiro de alimentos Flávio Santos Silva, que afirma que a golosa possui um grande potencial nutricional, com resultados “…bem significativos em relação a proteínas, vitaminas e teores de açúcares presentes no fruto”. Os resultados da pesquisa estão prestes a ser publicados em uma revista científica. Com a publicação, será mais fácil obter a licença para comercialização e transporte em larga escala.
Maior desafio é a capacidade de produção
Para que a golosa seja considerada apta a entrar no mercado nacional é a localização dos chamados “golosais” nativos. Cerca de 90% da produção está localizada na margem dos rios de São Félix do Xingu. A safra é muito influenciada por condições climáticas e ambientais. Uma das formas de reverter esse quadro é aumentando os golosais e preservando as árvores nativas.
Na época da colheita, os agricultores competem com animais silvestre que consomem a fruta assim que caem do pé, antes de serem recolhidas pelas famílias. Cheias dos rios durante a safra, como a que ocorreu no ano passado em São Félix do Xingu, também impactam sobre a produção porque boa parte dos frutos caem na água e são levados pela correnteza.
Junto com o trabalho para garantir o plantio da espécie em sistemas agroflorestais e quintais agroecológicos, a equipe técnica da Emater, em São Félix do Xingu, também vem trabalhando com a seleção de mudas com maior capacidade de produção. “Árvores adultas nativas podem produzir mais de 600 quilos de polpa por ano. Ainda não temos plantios comerciais adultos, mas os plantios jovens já vem apresentando produção entre 50 e 100 quilos de polpa anuais”, afirma Mário Silva, chefe do escritório.
Atualmente, a Prefeitura de São Félix do Xingu busca a ampliação dos plantios de golosa e outros frutos (como citros) em sistemas agroecológicos, distribuindo entre 5 mil e 10 mil mudas produzidas no viveiro municipal para ribeirinhos e produtores rurais. “Outro campo de atuação é no sentido da preservação dos golosais nativos, fazendo com que a atividade extrativa seja parceira da preservação das áreas nas margens dos rios”, acrescenta Mário.
55 famílias trabalham na produção da golosa em São Félix do Xingu
Entre as principais disseminadoras do processamento e consumo da golosa estão as mulheres da Associação das Mulheres Produtoras de Polpas de Frutas (AMPPF) de São Félix do Xingu. Para elas, o fruto exótico é mais um passo importante na caminhada pela busca de novos mercados para a produção local.
A Associação é composta por 55 famílias distribuídas entre as colônias Manguari, Nereu, Tancredo Neves, Shadday e Santa Rosa. Atualmente, o processamento das polpas de frutas é feito na única planta agroindustrial da AMPPF, localizada em Manguari, mas o grupo está investindo para expandir a etapa de industrialização.
“Devido às dificuldades de transporte, não são todos os associados que conseguem levar as frutas para o processamento na usina e muitos acabam despolpando e armazenando as frutas em casa mesmo. Assim, estamos terminando de construir uma outra usina em Tancredo Neves que vai ajudar a atender melhor todo mundo”, conta a presidente da AMPPF, Josefa Machado Neves.
Junto com a nova unidade de processamento, a Associação luta ainda para ampliar e melhorar a capacidade de armazenamento e faz planos para a aquisição de uma câmara fria e caminhões frigoríficos. “Nosso principal mercado hoje é o Programa Nacional de Merenda Escolar, mas nós queremos ampliar”, explica Josefa.
Com seu sabor exótico e as múltiplas possibilidades de aplicação da sua polpa na indústria alimentícia e na alta gastronomia, a golosa é parte importante dos planos da Associação de Mulheres de alçar voos mais altos com uma atividade que ajuda a proteger a floresta. “Na associação trabalhamos com 13 sabores de polpas de frutas. A golosa é nosso 14º sabor e com ele esperamos crescer ainda mais”, afirma.
(Victor Furtado, da Redação do Fato Regional, com informações do Imaflora)
LEIA MAIS, NO FATO REGIONAL:
- Agroecologia: São Félix do Xingu é exemplo positivo em projetos na produção de cacau e polpas de frutas com insumos verdes
- VÍDEO: ribeirinhos de São Félix do Xingu recebem mudas de citros; Prefeitura projeta diversidade da produção local
- Desmatamento Zero: prefeito João Cleber, de São Félix do Xingu, e deputado Priante participam de reunião na Cúpula da Amazônia em Belém
- Bioeconomia do Pará pode movimentar US$ 120 bilhões por ano; estado tem tendência de liderar o segmento